Pegar estrada em território nacional é uma coisa. O que muda quando a gente vai fazer uma viagem cruzando 2 países?
Antes de contar essa história é preciso dizer algumas coisas. Lá nos anos 70, eu com 10 anos de idade, fui apresentado a um ciclomotor Kátia Garelli a qual um amigo tinha ganhado dos pais. Andei pela primeira vez numa "quase" moto. E me apaixonei. A paixão era grande mas, óbvio, não tinha dinheiro para comprar uma então minha alegria era esperar meu amigo deixar eu dar uma volta. De lá pra cá foram muitas motos emprestadas (um acidente grave) até eu conseguir ter uma. Minha paixão era ir no Ibirapuera e na Rua Augusta ver as potentes CB400 Four, CB750 Four e a Viúva Negra RD350 desfilando. Era só sonho. Ia para lá com minha motinho pequena e ficava vendo os pilotos, as motos (e também as garupas! rs).
O tempo vai passando e os modelos de motos também. Nos anos 80 o grande lance era ter motos trail e ir fazer trilha ou motocross. As importações eram proibidas portanto só tinhamos motos de pequena e média cilindrada sendo a CB400 a mais "forte" da época (depois veio a 750) então minha diversão era ir para o mato andar com minha DT180 equipada com Kit Búfalo. Naquela época viajar para o Rio de Janeiro para mim já era uma super aventura.
Passados muitos anos, e alguns modelos de moto, surge essa viagem ao Atacama. Uma viagem que para mim estava esquecida, perdida lá no meio da "gaveta dos desejos". Sempre ouvia de muitos amigos as narrativas sobre esta viagem, a experiência que tiveram, como a viagem ficou cravada na memória e sempre a vontade de todos em retornar. Nos anos 90 e 2000 muita gente foi. Eu escutava as histórias mas ou não tinha tempo, ou não tinha dinheiro, ou não tinha moto para ir. O fato de viajar nunca me incomodou, pelo contrário, viajei todos os estados do Brasil e alguns lugares do mundo graças a minha profissão tendo, às vezes, que ficar até 3 meses longe de casa. Viagens de moto que fiz nunca passaram de 10 dias longe e no máximo 4 mil km de percurso.ã
A viagem ao Atacama com o roteiro escolhido seria de aproximadamente 10mil km e 23 dias
Aí já vem a primeira preocupação. Grana
A segunda: A moto vai aguentar?
Terceira: Quem vai nessa viagem?
Para essa viagem estavam indo: Filipec. Cara viajado, experiente de longas distâncias (já foi até o Alaska de moto) e o principal tranquilo e com uma tocada boa (sim, isso é muito importante. Saber se a tocada dos seus parceiros é parecida com a sua). Daniel. Resmungão, usa pneu de carro na moto, sabe pilotar bem apesar da moto não fazer curvas com pneu de carro e um bom parceiro. O Daniel é aquele cara que você pensa no começo "esse cara vai pesar na viagem" e na verdade ele só vai ajudar.
Badaue. Fala muito, tem experiência de estrada, já fez Carretera Austral e não deixa ninguém em paz. Digo que o Badaue é um mal necessário em todas as viagens. Sem ele causando ia ser uma paz assustadora. rs Thor. Fala pouco, come muito, bebe também. O Thor é aquele cara que, quando a gente chega numa cidade já sabe onde ir, onde trocar o dinheiro, onde comer e onde beber. Na estrada uma paz só. Na cidade e com fome vira o cão! Spanazzi. Motociclista experiente. Desde os anos 80 pilotando. Cara calmo, tranquilo mas ronca pra caramba! Esse era o time da saída. Foram 23 dias de estrada e o que eu aprendi nestes 23 dias. Medo. Não importa se eu já viajei por 10 Estados brasileiros de moto. As vezes sozinho, as vezes acompanhado.
Não importa que a minha moto esteja em perfeitas condições e eu tenha saldo suficiente no banco e um seguro que me cubra em terras estrangeiras. Não importa de eu estar viajando com amigos experientes. O medo em algum momento da viagem vai aparecer e querer te dominar. Poderia dar uma de malvadão rei das estradas aqui mas vou falar a real. Em alguns momentos me deu medo. Medo de não voltar, medo de me acidentar, porque nós ficamos muito tempo pilotando sozinhos e dentro do capacete começam a vir pensamentos estranhos. Durante um trecho da viagem, passando por Santa Fé com destino a Rio Cuarto (já voltando) eu comecei a me sentir mal. Muito calor, a vista embaçou, parecia que eu não estava no meu corpo. As luzes dos carros que vinham no contra fluxo brilhavam demais e eu mal conseguia enxergar a pista na minha frente - isso em plena luz do dia - e nesse momento veio um pensamento ruim. Não vou conseguir voltar pra casa.
Apesar de ainda não estar programada a parada, pedi aos parceiros para parar no primeiro posto que víssemos. Paramos. Eu tive uma hipoglicemia e desidratação. Uns alfajores, muita água e um choro dentro do capacete me fizeram voltar ao normal. Tomei um susto e por algum momento pensei que não veria minha família novamente. Em outros momentos, me curava dos pensamentos venenosos vendo paisagens lindíssimas, de tirar o fôlego e apreciando a tocada da moto, o ronco do motor e o bonde à minha frente, cortando as curvas como num balé. Só de olhar aquilo já agradecia pela oportunidade de estar vivendo aquele momento.
Não vou falar das paisagens magníficas, dos Andes, de São Pedro do Atacama nem da linda e turística Purmamarca. Tão pouco vou falar sobre a Costa do Pacífico Chilena nem do Gigante Aconcágua e também dos Caracoles. Isso vocês verão nos vídeos que vou postar no Youtube. O mais importante dessa viagem foi o aprendizado e o que eu ganhei como ser humano, não como motociclista mas sim como ser humano. Aprender a conviver e ser resiliente diante das opiniões dos outros e também diante da natureza, ter ciência do nosso minúsculo tamanho diante de toda essa obra divina que é o Planeta Terra e o principal, em todos os lugares que fomos, fomos bem recebidos, desde as pessoas mais humildes em plena manifestação por uma escola melhor para os filhos na região de Amaicha del Valle que, apesar de fecharem a estrada para registrarem seu protesto, no final nos aplaudiram por apoiá-las.
Também o Cholo, motorista de Taxi da Argentina que por sinal é mecânico também e nos salvou em pleno domingo arrumando a moto do Daniel. Acredito que o que vai ficar de mais importante dessa viagem, não é apenas a experiência da estrada, o visual fantástico, as curvas dos Caracoles mas sim as pessoas que conheci durante essa viagem tanto as que foram comigo quanto também as que a estrada colocou em minha vida. O bichinho picou. Aquele da estrada. E acho que não tem vacina pra isso. Até a próxima.
Sensacional esse grupo me faz não esquecer do sonho enquanto não realizo vejo , aprendo ,me divirto e agradeço.
Quando vc pega a estrada vc se torna uma parte dessa estrada. Todos os dias vc lembra dessa aventura. Em 2020 tive a oportunidade de viajar pelo nordeste e cara são lembranças que vou carregar pro resto da vida.
E tenho certeza que ainda vamos rodar muitos kms ainda.
Boas estradas sempre
Que oportunidade espetacular, e inesquecível, imagino que para descrever uma viagem dessa no detalhe um livro seria pouco.
É fácil acompanhar a viagem no YouTube sentado confortavelmente. Coragem é o nome do jogo.
Todos nós temos uma lista de motivos para não fazer, dinheiro, moto não é adequada, tempo etc… mas no fundo o que falta mesmo e coragem e eu respeito isso, não é para qualquer um.
Bando de LOCO kkkkkkkk
Show! De sinceridade! Sinto exatamente as mesmas coisas todo vez que dou o start na moto. Independe de pra onde vou. Tem mais de 40 anos que é assim. Então, já desencanei! Vou.....
Parabéns a todos pela conquista. Anima muito quem está com essa trip, ainda na gaveta. Em breve tiro a minha (da gaveta).
Agora falando da viagem propriamente dita. Antes de tudo parabéns a todos os integrantes dessa maratona moticlística e pela conquista dessa vitória pessoal de cada um, em ir e voltar em segurança à uma distância assim. Isso mostra a qualidade de tocada de todos, o que em grupo é importantíssimo. Em grupo, afinal, temos de abrir mão de coisas pessoais em favor do grupo. Conheci o Chile, não de moto, e realmente é um lugar incrível. Imagino as estradas. Pelos vídeos pude notar e fiquei com a boca aberta. Imagino lá, em loco. Conte certeza é bárbaro. O bom é que estão todos bem e agora prontos para contar mais e mais histórias. Abraços.